sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O dia em que cem policiais sitiaram uma escola ocupada em São Paulo


“Está tendo assalto a banco, é?”, indagou um homem que aguardava na calçada para atravessar a rua na esquina da rua Teodoro Sampaio com a Pedroso de Moraes, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A pergunta não era descabida: nesta quarta-feira, o quarteirão da escola estadual Fernão Dias estava completamente cercado por mais de 100 policiais militares – e dezenas de viaturas, segundo dados da corporação. Uma das pistas da Pedroso, bem como as duas vias laterais da escola foram totalmente isoladas para o tráfego de veículos e pedestres.

Mas não se tratava de uma ação do crime organizado: desde terça-feira um grupo de alunos da Fernão Dias decidiu ocupar a escola para protestar contra a reforma educacional, que prevê o fechamento de 94 escolas além de remanejamento de milhares de alunos das unidades públicas, e está sendo implementada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Uma outra escola em Diadema também foi ocupada na terça. Os estudantes se recusaram a dizer o número de pessoas que participam da ação.

A reportagem é de Gil Alessi, publicada por El País, 11-11-2015.

Desde outubro, milhares de estudantes têm ido às ruas protestar contra a nova política para o ensino, que o Estado chama de “redesenho” da rede estadual, que abriga 3,75 milhões de alunos. A reforma será posta em prática a partir de 2016 e, por causa dela, além do encerramento de atividades letivas em 94 escolas, outras 754 terão ciclos encerrados, quer do ensino fundamental ou médio. A Fernão, um amplo prédio em área nobre da cidade, continuará aberta, mas os alunos do ensino fundamental irão para a escola Godofredo Furtado, no mesmo bairro. E as turmas do ensino médio da Godofredo vão para a Fernão. Desde o início do protesto na tarde de ontem, alguns jovens já deixaram o prédio — parte deles a pedido dos pais —, e um pequeno grupo conseguiu entrar. Nesta quarta-feira houve confusão quando a PM usou spray de pimenta para impedir que outros alunos entrassem na escola.

“Essa política de construir mais cadeias e fechar escola prejudica principalmente os mais pobres, não querem que tenhamos estudo”, afirmou a jovem M. N, aluna do último ano do ensino médio da Fernão. Ela é uma das dezenas de estudantes que passaram a madrugada dentro do prédio, e diz que a ocupação era uma questão de tempo. “Fui a quase todos os atos contra o redesenho. Dissemos que isso iria acontecer e não fomos levados a sério, não fomos ouvidos.”

A jovem diz que as decisões na ocupação são tomadas em assembleia, e que uma vaquinha entre os alunos foi feita para comprar comida e itens de higiene pessoal. Para dormir os estudantes se revezam em 15 colchonetes doados pelo secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, Eduardo Suplicy, que esteve no local na noite de terça-feira. M diz contar com o apoio da mãe, que visitou a ocupação ontem. “Não estamos quebrando nada aqui dentro, as salas dos professores e da diretoria estão trancadas”, afirma. Apesar do cansaço de uma noite mal dormida e sob sítio da polícia, a estudante tinha um sorriso no rosto. “Todo mundo que está aqui dentro está feliz. Nossa luta é justa, nossa luta é bonita.”

Essa política de construir mais cadeias e fechar escola prejudica principalmente os mais pobres, não querem que tenhamos estudo”

Do lado de fora, sob o olhar atento de uma centena de PMs, um grupo de alunos gritava slogans contra o fechamento de escolas e em apoio à ocupação: “Pode chover, pode nevar, a minha escola não vai fechar!” Uma delegação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto também esteve presente para apoiar o ato, bem como integrantes do Movimento Passe Livre.

Para a capitã Cibele, da assessoria de imprensa da PM, o contingente mobilizado é adequado para “garantir a integridade física dos alunos que estão lá dentro”. De acordo com ela, a orientação do contingente é impedir que outras pessoas entrem no prédio, e registrar o nome de quem sai para o caso de ter havido algum prejuízo material à escola.

Os argumentos dos estudantes e do Governo

Ariane Mikaeli, de 16 anos, é uma das alunas do Fernão que irá migrar para o outro colégio. “A ocupação não é só pela Fernão, é contra o plano geral do Governo”, afirma a jovem, que deixou o prédio hoje pela manhã. Ela diz que a tendência é que as salas de aula fiquem lotadas. A supervisora de ensino para a região centro-oeste, Maria Cecília Mello Santo, discorda, e afirma que tanto a Fernão quanto a Godofredo tem capacidade para absorver a mudança de turmas.

“A Godofredo, principalmente, está funcionando com capacidade ociosa”, afirma. Segundo ela, será respeitado o limite de alunos por classe, que é de 35 no ensino fundamental, e 40 no médio. O argumento da gestão Alckmin é que escolas que abrigam um único ciclo, fundamental ou médio, tem melhor rendimento. "A ideia pedagógica é correta. Se você aglutinar as pessoas por ciclos, os professores não precisam se deslocar, você não tem alunos com idades muito díspares juntos. Como ideia, é procedente. Mas isso não pode ser feito apressadamente sem planejamento", ponderou, no mês passado, Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da PUC São Paulo. A supervisora Maria Cecília Mello Santo diz que e a diretora da escola disseram ter tentado sem sucesso negociar com os estudantes. “Eles dizem que lá não tem líder, aí fica difícil conversar”

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

"Pacto das Catacumbas" revive com o Papa Francisco, 50 anos depois


O "Pacto das Catacumbas", assinado por 42 bispos (que depois se tornaram 500), pouco antes do fim do Concílio Vaticano II, vem à tona. As renúncias aos luxos e aos privilégios, e o compromisso "com uma Igreja pobre e para os pobres" é realidade com o Papa Francisco. A celebração oficial dos seus 50 anos será na Pontifícia Universidade Urbaniana, com o teólogo Jon Sobrino, que verá o papa no dia anterior.

A reportagem é de Patrizia Caiffa, publicada pela agência SIR, 05-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Há 50 anos, poucos dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II, 42 bispos conciliares (que depois se tornaram 500), incluindo o brasileiro Dom Hélder Câmara e o italiano Luigi Bettazzi, assinaram o "Pacto das Catacumbas", nas catacumbas de Santa Domitila, em Roma, como compromisso pessoal para levar uma vida de pobreza, renunciando a luxos, símbolos de poder e privilégio, e para ser "uma Igreja serva e pobre", como desejava João XXIII.

Hoje, o "Pacto", esquecido nas décadas posteriores por razões políticas, veio à tona e se tornou vida vivida com o Papa Francisco e o programa do seu pontificado: "Por uma Igreja pobre e para os pobres". Tanto que, no próximo dia 14 de novembro, a Pontifícia Universidade Urbaniana organiza um importantes seminário oficial no 50º aniversário: entre os convidados especiais, o teólogo jesuíta Jon Sobrino (duas das suas obras em 2007 foram definidas como "erradas" pela Congregação para a Doutrina da Fé), que vai se encontrar com o Papa Francisco no dia anterior, 13 de novembro, durante a missa em Santa Marta, às 7h.

Bergoglio, que na época ainda não era bispo, respirou os ecos dessa iniciativa na América Latina, onde ainda estava viva em alguns componentes da Igreja. Entre os signatários posteriores do "Pacto", de fato, estavam o arcebispo de San Salvador, Óscar Romero, assassinado pelos militares e hoje bem-aventurado por vontade do Papa Francisco, e o bispo argentino Enrique Angelelli, que morreu em um acidente suspeito em 1974, que Bergoglio conhecia quando era superior dos jesuítas.

Renúncia "à aparência e à realidade da riqueza"

No dia 16 de novembro de 1965, os 42 bispos de 15 países de diferentes continentes, incluindo muitos latino-americanos, celebraram uma eucaristia, presidida pelo bispo belga Charles-Marie Himmer, nas catacumbas de Santa Domitila, que hospeda os túmulos de 100 mil cristãos dos primeiros séculos de vida da Igreja.

A assinatura do "Pacto" se inspirou no compromisso do grupo "Igreja dos Pobres", fundado pelo padre operário Paul Gauthier e pela religiosa carmelita Marie Therèse Lescase.

No texto, redigido pelo bispo Hélder Câmara, os bispos se comprometiam a "viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue".

Uma renúncia, especificamente, "no traje (fazendas ricas, cores berrantes)", aos símbolos em ouro e prata, à propriedade "de bens imóveis, nem móveis, nem conta bancária".

Ao mesmo tempo, os bispos se recusavam a ser chamados "oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre".

Não aos privilégios e à administração direta das finanças. "No nosso comportamento – escreviam –, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (por exemplo, banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos)".

"Do mesmo modo – continuavam –, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão."
Todas as vezes que for possível, acrescentavam, "confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos".

O compromisso com os pobres no "Pacto" se fundamentava principalmente nas exigências de justiça e de caridade, trabalhando para "transformar as obras de beneficência em obras sociais". Tudo isso pedindo que os responsáveis dos governos e dos serviços públicos implementassem "as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens".

Dando-se conta da situação de pobreza extrema de dois terços da humanidade, os bispos signatários também se comprometiam a "participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres", e a pedir às organizações internacionais, "testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria".

Celebração dos 50 anos

Ao longo dos anos, o "Pacto" encontrou inúmeras oposições e foi vivido às escondidas. Mas, neste ano, por ocasião do 50º aniversário, alguns grupos (os Missionários do Verbo Divino, as Missionárias Servas do Espírito Santo, o grupo de Justiça e Paz JPIC dos religiosos e religiosas da União dos Superiores e Superioras Gerais (UISG/USG), os religiosos brasileiros em Roma, o Centro de Estudos sobre a Missão (Sedos), os pobres da Cáritas de Roma) e bispos (incluindo o cardeal Walter Kasper, presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos) já organizaram e presidiram celebrações especiais nas catacumbas.

O evento do dia 14 de novembro, na Aula Magna da Pontifícia Universidade Urbaniana, organizado pelo grupo JPIC da USG/UISG, pelos verbitas e pelo Sedos, sanciona a oficialidade da celebração.

O teólogo espanhol Jon Sobrino, naturalizado salvadorenho e que escapou de um atentado encomendado pelo governo em 1989, vai falar sobre o impacto do "Pacto das Catacumbas" na Igreja hoje.

Também falará o bispo emérito de Ivrea, Luigi Bettazzi, hoje com 92 anos, um dos poucos signatários ainda vivos junto com o bispo José Maria Pires, que, do Brasil, vai enviar uma mensagem de vídeo.

Sobre o congresso, Dom Bettazzi, em um editorial da revista Mosaico di Pace, espera que o papa "possa se não promovê-lo, certamente abençoá-lo".

Também confirmou presença o cardeal João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.

Sobrino vai se encontrar com o papa em Santa Marta no dia anterior, enquanto, no domingo, 15 de novembro, depois da participação do grupo no Ângelus em São Pedro, ele presidirá a missa nas catacumbas de Santa Domitila, geridas pelos padres verbitas.

Entre os outros palestrantes no congresso: Alberto Melloni, da Universidade de Modena e Reggio Emilia, e o cardeal Roger Etchegaray.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Professores iniciam construção de jogo sobre o Parque Indígena do Xingu e o seu entorno



Já pensou em aprender sobre preservação ambiental, geografia, história, economia e muito mais, jogando? Esse é um dos propósitos do Grupo Referência em Educação, coordenado pelo ISA e que engloba professores de escolas de cinco municípios das cabeceiras do Xingu, no Mato Grosso. Jogos educativos foi o tema do segundo encontro do grupo, nos dias 02 e 03 de outubro, que aconteceu na escola municipal Nova Era, em Canarana-MT. Participaram 36 professores de várias disciplinas.

A reportagem é de Rafael Govari, publicada por Sementes do Xingu, 14-10-2015.

O encontro contou com a participação de Nurit Bensusan, que trabalha como assessora de políticas públicas do ISA (Instituto Socioambiental) em Brasília-DF e possui uma oficina de criação de jogos com temas biológicos. Ela explica a importância dos jogos no ensino: “O jogo, principalmente para as crianças, é mais lúdico, mais interessante. É uma atividade muito bacana, para além do próprio conteúdo. A criança aprende a competir de uma forma mais razoável, ganhar sem tripudiar, perder sem se desesperar, que é um aprendizado importante para a vida. Então, o jogo junta o aprendizado do conteúdo com esse outro aprendizado, que é o da vida mesmo”, falou.

Nurit mostrou para os professores que é fácil criar jogos, com simplicidade e até na base do improviso: “Como a gente está fazendo ali, desenha com giz um tabuleiro no chão, você produz cartas, isso é bem interessante. Então, essa é a proposta, mostrar as possibilidades para essa equipe de professores”, colocou.

O Grupo Referência em Educação trabalha principalmente com temas socioambientais. A partir desse último encontro, iniciou-se a criação de um jogo que envolve informações do Parque Indígena do Xingu, com foco nos temas socioambientais, mas também englobando outros assuntos, como cultura, geografia e história dos municípios que ficam no entorno. “Usar algumas dessas dinâmicas de jogos que a gente viu aqui para ter ideias de como poderia ser um jogo… Pensamos em um tabuleiro onde os jogadores circulam pelos municípios do entorno e outra parte onde circulam pelo Parque”, falou Nurit. Em um novo encontro, provavelmente em março do ano que vem, o jogo deverá ser apresentado para o público e começará a ser utilizado nas escolas.

Conforme uma das coordenadoras do grupo, Cristina Velásquez, do ISA (Instituto Socioambiental), o trabalho nas escolas é fundamental para a missão do ISA, que na região tem como um dos focos a percepção das inter-relações que formam o território, dentre elas a percepção da água como um bem comum essencial às atividades econômicas, políticas e ambientais, que pode ser alcançado através do entendimento da sociobiodiversidade do território. “Esse grupo congrega professores que já desenvolvem iniciativas inovadoras há vários anos e tem o objetivo de se reunir e estudar temas com o objetivo de enxergar um território uno, que se compreendidos, permite ter uma forma de vida melhor”, falou.

Além do aprendizado na construção de jogos, durante o encontro foi anunciado o apoio financeiro a 14 projetos de escolas diferentes, que receberão auxílio para continuar a desenvolver inciativas que já são trabalhadas pelos professores. “É um complemento para que eles continuem tendo condições de realizar essas atividades. Nós temos projetos na área da comunicação, implantação de espaços de pesquisas fora de sala de aula como laboratórios agroflorestais, restauração de áreas degradadas…”, relatou Cristina. Em cada encontro, que é realizado em escolas diferentes, os professores aprendem sobre o projeto desenvolvido por aquela escola. O próximo encontro acontecerá no próximo dia 28 de novembro em outra escola de Canarana.

A escola Nova Era, por exemplo, desenvolve um projeto de agrofloresta. Quem comenta sobre o trabalho é a diretora Maria José dos Santos Cereta e a professora Lisonete Fernandes da Costa. A agrofloresta foi implantada em 2009 e com a criação do Grupo de Referência, um novo projeto foi criado para revitalizar o espaço. “Para ter mais utilidade para as crianças. Elas adoram brincar lá embaixo. Os professores as levam para poder trabalhar lá, que é fresquinho. Então resolvemos revitalizar, replantar, fazer emplacamento e construir uns bancos para aproveitar melhor o espaço. É o nosso pedacinho intocável”, disse. Lisonete explica como os professores trabalham com o espaço verde. “Quando você fica só em sala de aula, fica muito limitado… No Dia da Árvore o que a gente pode trabalhar como nosso cantinho verde? Por exemplo, pode fazer uma redação e porque não ir com as crianças vivenciar o momento? E ali fluem mais ideias para as crianças, fica mais real para elas desenvolverem essa atividade, além de ser mais prazeroso, com certeza”, falou a professora.