O primado da fé – No século XVI, quando teve início o povoamento do Brasil, a sociedade portuguesa era ainda estamental. Aceitava-se, por principio, a sua divisão em nobres e plebeus. Os povoadores que aqui chegaram, em sua maioria de origem plebéia, viam a nobreza como modelo ideal e aspiravam atingir no Brasil essa condição.
Assim, na época em que se iniciava a colonização, os povoadores tinham como valores a fé, a honra e o interesse, nessa ordem. A fé era representada pela Igreja e pelo clero. A honra, pela nobreza. E o interesse, pelos comerciantes. A busca do interesse próprio, ou lucro, não deveria estar acima da fé e da honra. Exemplo: se um povoador escravizasse os índios buscando explorá-los sem se preocupar em cristianizá-los, e através da riqueza assim obtida procurasse igualar-se à nobreza, esse povoador seria considerado um homem cobiçoso. O interesse convertia-se, em tal circunstância, em cobiça – que era tida como um vício muito grave.
Oficialmente, o povoamento do Brasil não fui encarado como um empreendimento comercial. D. João III (1521-1557) disse, aliás claramente, que "a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para [que a] gente dela se convertesse à nossa santa fé". Manuel da Nóbrega, numa carta a Tomé de Sousa, escreveu que a intenção de D. João III não foi povoar tanto por esperar da terra ouro nem prata que não os tem, nem tanto pelo interesse de povoar e fazer engenhos, nem por onde agasalhar os portugueses que lá em Portugal sobejam e não cabem, quanto por exaltação da fé católica e salvação das Almas".
Essas seguidas declarações não oram palavras vazias, Os jesuítas colocaram-nas
Os jesuítas não eram contrários à escravização do índio, mas se opunham à sua escravização indiscriminada, como pretendiam os colonos.
Para os jesuítas, a escravidão deveria ter um objetivo religioso e não econômico. Escravizar para cristianizar e não para obter apenas lucro. E, como os colonos pretendiam escravizar os índios tendo em vista exclusivamente o próprio interesse, tal atitude foi interpretada pelos jesuítas como expressão da cobiça que eles condenavam.
Porém, para cristianizar os índios, os jesuítas compreenderam muito rapidamente que, antes, era preciso dominá-los, através de meios violentos se fosse preciso.
O rei de Portugal colocou-se, em princípio, a favor dos jesuítas, pois a escravização indiscriminada dos índios pelos colonos era muito arriscada: a ameaça constante de revolta dos índios aconselhava prudência.
Manter tanto quanto possível não só os índios mas também os povoadores em paz e ordem, a fim de que os indígenas participassem do comércio e, finalmente, se convertessem à fé católica, vinha a ser o objetivo último e declarado do Estado português
Como os jesuítas, o rei não era contrario à escravidão, Concordou que a escravização se limitasse aos índios hostis e inimigos aprisionados em “guerra justa”. E chamava-se "guerra justa" a que fosse feita com a som autorização. Os índios aliados foram declarados livres e os cristianizados não podiam ser escravizados.
Todavia. em reconhecimento à necessidade de braços para a lavoura, a legislação foi várias vezes alterada, mas permaneceu o fato de que o Estado estabelecia, de um modo ou de outro, restrições a livre escravização dos índios.
Os colonos sempre encontraram meios para burlar a legislação e escravizar ou manter no cativeiro os índios protegidos por lei. Mas a verdade é que a atuação enérgica dos jesuítas e as restrições legais continuaram como obstáculo perturbador aos objetivos dos colonos.
Apesar de tudo, o trabalho indígena foi amplamente utilizado no processo de montagem da economia açucareira. À medida que essa economia começou a se expandir, ampliou-se constantemente a necessidade de mão-de-obra, cujo fornecimento requeria alguma regularidade. Tudo isso acabou pesando na decisão de substituir o índio pelo africano.
O tráfico negreiro – Estabelecer regras claras e restritivas de acesso à mão-de-obra indígena tinha o sentido de refrear a cobiça dos povoadores, entendendo-se por isso o estabelecimento de limites para a ação econômica, a fim de que o amor a Deus não fosse substituído pelo amor à riqueza.
A solução para esse problema, que obstruía os interesses dos colonos, mas também da burguesia comercial metropolitana, foi o tráfico negreiro, que articulou os interesses de ambos.
Mais ainda: o tráfico negreiro solucionou o problema em todas as frentes. Trazendo da África os trabalhadores necessários para o engenho, retirou-se dos jesuítas o principal de seus argumentos contra a escravização. O Estado português, por sua vez, abandonou a sua política indigenista em favor de uma política colonial.
De início, o tráfico negreiro era feito sob direta administração da Coroa ou mediante venda de licenças a particulares, cobrada segundo uma taxa estipulada por ‘peça’ de escravos, ou, ainda, pelo arrendamento de áreas definidas. Porém, a Coroa não se empenhou nunca, com seriedade, em tomar a si o encargo de traficar diretamente, de maneira que esse comércio sempre esteve sob a iniciativa de particulares, destacando-se os portugueses de ascendência judaica.
Convém observar, entretanto, que o tráfico de escravos existiu em Portugal em período bem anterior a colonização do Brasil. Os dados cronológicos variam, mas sabe-se que em 1448 já havia um comércio regular de escravos
Na África, as áreas de procedência dos negros os subdividiam em dois grandes grupos étnicos: os bantos, capturados na África equatorial e tropical, na Guiné, no Congo e em Angola, e os sudaneses, da África oriental, do Sudão, do norte da Guine e de Moçambique.
Entre os anos 1580 e 1590 existiam perto de 10 mil escravos africanos em Pernambuco e 4 mil na Bahia. Entre 1500 e 1600, o número total de africanos no Brasil não ultrapassava 50 mil. No século XVII, o número elevou-se para 560 mil e no século seguinte já eram 1 891 400 escravos africanos. Entre 1811 e
A substituição do escravo índio pelo africano ganhou impulso no final do governo de Mem de Sá, por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tomado tem processo irreversível.
Escravismo colonial – À medida que o tráfico negreiro se intensificou e se transformou num elemento estrutural da colonização, a escravidão foi se convertendo em escravismo, portanto num sistema.
O escravismo colonial, diferentemente do escravismo antigo, greco-romano, foi estruturalmente mercantil, porque a produção açucareira estava voltada ao mercado, almejando o lucro. Os escravos eram produtores de mercadorias a serem vendidas pelos senhores de engenho. Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre senhores de engenho e traficantes que pertenciam a burguesia metropolitana.
Portanto, o escravismo colonial estruturou-se como sistema integrando três camadas sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, na qual se inclui o traficante de escravos.
Como o próprio nome indica, o escravismo colonial é um sistema que se baseia numa dupla exploração: a escravista e a colonial. E, conforme se observa no esquema:
A exploração escravista refere-se à exploração dos senhores de engenho sobre os escravos. Teoricamente, os grandes beneficiários seriam os senhores de engenho. Ocorre, entretanto, que, tendo a exploração um caráter colonial, a maior parte da riqueza acabava se transferindo para as mãos da burguesia mercantil e, também, para o Estado metropolitano.
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